Regina Teixeira de Barros - Vestido de baile
01/08/1999
Ao examinarmos uma peça de roupa, seja ela qual for, apreendemos diversas informações sobre ela mesma e sobre seu usuário. Pela textura dos tecidos (macio, engomado, fio natural ou sintético, etc.) pelo corte (justo ou folgado, atualizado ou ultrapassado) deduzimos sua função (trabalho, esporte, festa, etc.), seu grau de conforto, assim como o gosto e a condição econômica do usuário.
Sabemos também que um mantô é mais apropriado para um dia frio, assim como um par de sandálias, para um clima tropical; um vestido longo, noite de gala; uma bermuda, lazer, e assim por diante. Mesmo quando nos deparamos com uma peça de roupa desenhada e assinada, nos vemos formulando questões aparentemente simples, mas que tomam uma dimensão especial: como deve ser vestido, pelos, pés ou pela cabeça? Como será o caimento? Se abre completa ou parcialmente? E fechado por colchetes, botões ou zíper? Será confortável? São pequenos segredos que somente o usuário conhece.
Mais assépticos do que as preciosas peças cheias de histórias, perfumes e segredos de nosso guarda-roupa, estão os modelos criados para os desfiles de alta costura. Nos anos 90, grande destaque foi dado pela mídia às temporadas de desfiles de moda. Disputados, foram vistos de fato por poucos, mas, através dos meios de comunicação, por um significativo contingente de interessados. Tecidos sintéticos, recortes esdrúxulos, transparências e muito brilho foram a tônica das roupas apresentadas pelas mais conhecidas grifes das principais capitais do mundo. Nas passarelas da alta costura imperou uma moda vestida de irrealidade, composta por peças para serem admiradas, para indicar tendências.
Para ser admirado, e não usado, é também o vestido "Sem Título", de miçangas, cristais e lâminas, de autoria de Nazareth Pacheco, integrado ao acervo do Museu de Arte Moderna de São Paulo em 1997, ocasião em que recebeu o Grande Prêmio Embratel no Panorama da Arte Brasileira. O vestido confeccionado por Pacheco, quando contemplado de longe, se destaca por seu brilho e glamour. Poderia fazer parte de um universo de refletores e grifes. No entanto, de perto, o vestido de gala, antes transparente, reluzente, luminoso, transforma-se numa perigosa arma branca. Aqui a elegância nunca esteve tão longe do conforto, do bem-estar, da comodidade. Praticamente intocável, chama atenção pela hostilidade e pelo risco iminente. Inspira cuidados, convida ao desvio e à evasão. Cautelosamente ousamos nos indagar: como seria vestir este vestido? Por onde pegá-lo? É necessário ajuda ou seria apropriado manuseá-lo sozinho? Mas é impossível sentir suas texturas e compartilhar seus segredos. O toque excluído, resta-nos a resignação de estarmos condenados de modo definitivo à distância.
É, sem dúvida, uma obra eloqüente, visto que aborda -direta ou tangencialmente -diversas questões representativas dos anos 90. Adentra no terreno da moda, e transita no limiar de duas linguagens -a da moda e a das artes plásticas –assim como diversas manifestações no período, situadas nas interfaces de duas formas de expressão.
Da mesma forma, o Corpo foi um mote bastante glosado nas artes plásticas durante a última década. No vestido de Pacheco a referência ao corpo não é proposta de forma direta, como em outros trabalhos da artista. Aqui a questão do corpo é abordada através daquilo que não está presente. A ausência, a absoluta impossibilidade de um usuário para vesti-lo, traz à tona a referência ao corpo. Percebemos a existência através daquilo que nos damos conta que falta.