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Prof. Drd. Marcelo Saldanha
Aoki*
Prof. Dr. Reury Frank P. Bacurau*
LabFex - Centro Universitário - UniFMU |
Introdução
Desde da Grécia antiga (580 A.C.), a adoção de dietas especiais faz parte do
ritual de preparação para as competições (GRANDJEAN, 1997). A humanidade
sempre lançou mão da manipulação dietética e do uso de alimentos específicos
para atingir objetivos específicos. No século XIX, por exemplo, preconizava-se a
dietoterapia para o tratamento e prevenção de doenças (KRAUSE & MALAN, 1991)
e, mais recentemente, reconheceu-se à importância da nutrição para a melhoria do
desempenho no esporte (PROBART et al., 1993). Segundo MAUGHAN (1993)
a nutrição desportiva não transforma um sedentário em um atleta, porém pode
decidir que será ou não o campeão. Esta citação ilustra com muita propriedade a
importância da elaboração de uma dieta adequada para atletas.
Dentre as ciências relacionadas ao desempenho atlético, a nutrição desportiva é
uma das que mais cresceu nas últimas décadas. Entretanto, diversos estudos com
atletas de elite ainda demonstram uma grande variação no percentual de
distribuição dos nutrientes em sua dieta. Após analisar a dieta de atletas
olímpicos de diversas modalidades, GRANDJEAN (1997) obteve os seguintes
resultados: os carboidratos, lipídios e proteínas representavam entre 33 a 57%,
29 a 49% e 12 a 26% do total de energia, respectivamente. É importante notar que
nesses estudos há um alto consumo de lipídios pelos atletas, perfazendo até 49%
do total da energia ingerida. Ao analisar uma população mais específica de
corredores de longa distância, PENDERGAST e colaboradores (1996)
constataram que a contribuição energética proveniente dos lipídios na dieta
destes atletas era de apenas 15 a 20% do total das calorias ingeridas.
Esta discrepância no padrão de distribuição de consumo dos macronutrientes está
diretamente relacionada à falta de orientação adequada. Não somente entre
atletas, mas entre indivíduos fisicamente ativos (freqüentadores de academias de
ginástica, de clubes e de centros desportivos) também é grande o nível de
desinformação.
A busca frenética do "corpo perfeito" tem levado pessoas desinformadas a adotar
estratégias radicais, que nem sempre estão relacionadas à promoção da saúde. Com
relação à nutrição, destaca-se o surgimento de diversas "dietas milagrosas" e
também o crescimento do consumo de suplementos nutricionais.
Suplementos Nutricionais
A palavra suplemento originada do latin "supplementu", é um substantivo
masculino que tem como significado: 1. o que serve para suprir, suprimento. 2. o
que se dá a mais: suplemento salarial. 3. parte que se adiciona a um todo para
ampliá-lo, esclarecê-lo ou aperfeiçoá-lo (FERREIRA, 1986).
Em 1994, nos EUA através da aprovação do senado foi criado o Dietary
Supplements Health and Education Act o qual esclarece o conceito de
suplemento alimentar:
Produto (com exceção de tabaco) utilizado com o objetivo de
suplementar a dieta e que contenha um ou mais dos seguintes ingredientes:
vitamina, mineral, erva ou outro tipo de planta, aminoácido, substância
dietética capaz de aumentar o conteúdo calórico total da dieta, ou concentrado,
metabólito, constituinte, extrato, ou combinação desses nutrientes.
Produto produzido para ser ingerido na forma de pílulas, cápsulas,
tabletes ou como líquido.
Não for produzido para uso convencional como alimento ou como único
item de uma refeição ou dieta.
For um produto no qual o rótulo apresente a denominação : suplemento
dietético.
Incluir substâncias como drogas novas aprovadas, antibióticos ou
produtos biológicos licenciados, comercializados como suplementos dietéticos ou
alimento antes da aprovação certificação ou licença para ser utilizada como
medicamento.
GRUNEWALD & BAILEY (1993) registraram a existência de 624 tipos de
suplementos voltados apenas para fisiculturistas. Eles ainda relataram que a
propaganda destes produtos apresentava 800 tipos de mecanismos diferentes,
segundo os quais o desempenho poderia ser potencializado. No entanto, a maioria
das alegações não é suportada por evidências científicas.
A popularidade dos suplementos alimentares vem crescendo espantosamente, tanto
no meio esportivo como nas academias de ginástica. Através de cálculos estima-se
que o consumo de creatina no ano passado ficou em torno de 2.500 toneladas (Medicine
& Science in Sports & Exercise 32(3): 706-717, 2000). Este dado reflete a
enorme expectativa de benefícios ergogênicos que os consumidores depositam nesta
substância.
Com relação à classificação, ainda não existe um conceito unânime entre os
especialistas da área. Alguns grupos classificam os produtos de acordo com o
principal nutriente presente (complexos vitamínicos). Já outros utilizam a
classificação de acordo com o propósito com o qual são comercializados
(anabólicos, anti-catabólicos ou hiper-calóricos) (BACURAU et al., 2000).
Dentro da perspectiva nutricional, o suplemento alimentar tem como objetivo
adicionar ou acrescentar alguma substância específica à dieta do indivíduo.
Entretanto, antes de se adotar qualquer tipo de suplementação, em primeiro
lugar, é de fundamental importância verificar se existe realmente a necessidade
deste acréscimo. Melhor dizendo, é imprescindível determinar se a condição na
qual o indivíduo se encontra, justifica a necessidade desta manipulação
dietética. Por exemplo, em algumas situações específicas, como no tratamento de
patologias como a anemia onde há aumento na demanda de ferro desta forma,
justificando o aumento na ingestão deste mineral.
Aplicação clínica e no esporte
Muitos dos suplementos nutricionais, que supostamente são desenvolvidos e
comercializados para atender as expectativas de atletas e de indivíduos
fisicamente ativos, nasceram a partir de observações da prática clínica, que
posteriormente foram extrapoladas para atletas.
A suplementação de glutamina (aminoácido) é uma estratégia muito utilizada no
tratamento de situações, nas quais é observado intenso catabolismo a fim de
suprir a demanda deste aminoácido, como indivíduos que sofreram grandes
queimaduras ou infecção generalizada (CURI, 1999). Além da glutamina,
pode-se destacar muitos outros suplementos, como o caso do TCM (triglicerídeo de
cadeia média) que é amplamente utilizado por suas características específicas
(mais hidrofílicos e absorção facilitada) na nutrição enteral e paraenteral de
pacientes com problemas de absorção (AOKI & SEELAENDER, 1999).
No entanto, a eficiência de um suplemento no tratamento de um estado patológico
específico não garante o seu sucesso incondicional para outras situações, como o
exercício físico.
Eficiência
Um dos questionamentos mais relevantes em relação à utilização de suplementos
alimentares é sobre a sua eficiência. Infelizmente, a resposta tão esperada não
virá tão cedo. Segundo BUTTERFIELD (1996) 3 fatores são responsáveis pela
dificuldade de responder esta questão: grande variedade de produtos; falta de
interesse e omissão dos pesquisadores e falta de controle sobre os fabricantes.
Outro fator que compromete a credibilidade dos estudos relacionados à
suplementação nutricional é que muitas vezes os mesmos são conduzidos e
patrocinados pelos fabricantes, sendo posteriormente publicados nos seus
jornais.
Além disto, os resultados de algumas destas "pesquisas" são obtidos em condições
diferentes daquelas que os fabricantes atribuem a eficiência do suplemento
alimentar. Evidências obtidas em animais (ratos, cães e porcos) são
freqüentemente extrapoladas para seres humanos, da mesma forma que resultados
observados na prática clínica são para o exercício físico.
É importante analisar a literatura disponível de maneira extremamente crítica,
verificando se os cuidados com o modelo experimental foram devidamente
observados, tais como: evitar a ocorrência do efeito placebo, selecionar
amostra, elaborar protocolos de testes fidedignos.
Segurança e Qualidade
Muitas pessoas acreditam que o suplemento alimentar é simplesmente um produto
desenvolvido (através de processos químicos) que pode substituir um alimento com
objetivo de complementar a dieta. Realmente, este é o conceito que o nome
"suplemento alimentar" passa, porém a questão não tão simples assim. Será que
ingestão de uma quantidade elevada e concentrada de uma determinada substância
tem o mesmo impacto fisiológico sobre o nosso organismo que um alimento?
A título de ilustrar a polêmica com relação à segurança do uso de suplementos
alimentares pode-se citar o caso do triptofano. O triptofano é um aminoácido
encontrado nas fontes de proteína na nossa dieta. Através de processos de
purificação e isolamento, é possível concentrar uma grande quantidade deste
aminoácido, colocá-lo em um recipiente e comercializá-lo como suplemento
alimentar, uma vez que o mesmo é parte constituinte da nossa dieta. No entanto,
em 1995, o triptofano foi proibido no EUA e no Canadá por estar possivelmente
relacionado a vários casos de intoxicação, seguidos de óbito. É importante
ressaltar que não ficou bem claro se o responsável pelas mortes foi o triptofano
ou a contaminação do produto. Portanto, isolar e concentrar uma determinada
substância, mesmo que esta seja parte constituinte da nossa dieta, não a torna
automaticamente segura para o consumo .
A qualidade do suplemento também pode constituir um problema. Por exemplo, a
purificação e a extração da creatina envolve diversos processos químicos
extremamente complexos que se não forem altamente controlados podem gerar alguns
subprodutos tóxicos (BENZI, 2000). Ainda com relação à qualidade, estudos
recentes realizados em produtos comercializados, contendo as mais diversas
substâncias, demonstraram que mais da metade dos produtos analisados diferiam em
média 20% em relação à composição descrita nos rótulos (BACURAU et al., 2000).
Uma citação que estimula a reflexão sobre a questão da segurança dos suplementos
nutricionais é a seguinte: - "uma das leis fundamentais da Biologia é que
qualquer substância que afeta ou altera a fisiologia pode ser tóxica se ingerida
em excesso" (Melvin H. Willians, PhD).
Conclusão
Indubitavelmente, os suplementos alimentares são importantes ferramentas que em
situações específicas podem auxiliar no tratamento de patologias, como também no
desempenho atlético, porém isto não justifica seu uso indiscriminado pela
população em geral que busca apenas melhoria da qualidade de vida. É importante
ressaltar que a maioria das pesquisas científicas disponíveis que tentam
esclarecer a questão dos suplementos alimentares é realizada em atletas, o que
dificulta extrapolar estes resultados para população em geral. Isto se deve ao
fato de que freqüentadores de academias ou indivíduos engajados em programas de
atividades físicas regular têm necessidades e demandas diferentes de atletas.
Ainda é cedo para um posicionamento definitivo sobre o uso de suplementos
nutricionais. Não se deve simplesmente condenar a utilização de suplementos
nutricionais ou fazer uma apologia incentivando o consumo destas substâncias,
entretanto é de fundamental importância alertar e criar uma consciência crítica
da real necessidade deste tipo de estratégia por parte de indivíduos fisicamente
ativos (freqüentadores de academias, de clubes ou de centros esportivos) que
estão preocupados com a promoção da saúde.
Referência Bibliográfica
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11. KRAUSE, M. V. & MALAN, L. K. Alimentos, Nutrição e Dietoterapia. São Paulo,
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Fonte:
Editora Fontoura
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