1- A
TRANSIÇÃO DEMOGRÁFICA BRASILEIRA
A catástrofe ocorrida na Clínica Santa
Genoveva de repente despertou nosso país para um aspecto ao qual não estava preparado: o
Brasil é um país que está envelhecendo. Sempre tivemos o conceito que éramos um país
jovem, que o problema do envelhecimento dizia respeito aos países
europeus,norte-americanos e Japão. Realmente, nestes países se vive mais, existe uma
maior expectativa de vida. No entanto, poucos se deram conta de que desde os anos 60, a
maioria dos idosos em números absolutos vivem em países do terceiro mundo e as
projeções estatísticas demonstram que esta é a faixa etária que mais crescerá na
maioria dos países menos desenvolvidos (figura 1).
A tabela 1 mostra as mudanças que
estão acontecendo nos países que terão 16 milhões ou mais de indivíduos com 60 anos
ou mais no ano 2025, comparadas com as populações da mesma faixa etária em 1950. Entre
os países que terão as maiores populações de idosos daqui a menos de 30 anos, oito se
situam na categoria de países em desenvolvimento. Nota-se a substituição das grandes
populações idosas dos países europeus pelas de países "jovens", como a
Nigéria, Paquistão, México, Indonésia ou Brasil.
Neste final de século, assistimos no
Brasil a um verdadeiro "boom" de idosos. A faixa etária de 60 anos ou mais é a
que mais cresce em termos proporcionais. Segundo as projeções estatísticas da
Organização Mundial da Saúde, entre 1950 e 2025, a população de idosos no país
crescerá 16 vezes contra 5 vezes da população total, o que nos colocará em termos
absolutos com a sexta população de idosos do mundo, isto é, com mais de 32 milhões de
pessoas com 60 anos ou mais. Este crescimento populacional é o mais acelerado no mundo e
só comparável ao do México e Nigéria.
O crescimento demográfico da população
brasileira na faixa etária de mais de 60 anos tem sido motivo de grande interesse por
parte dos estudiosos da terceira idade em vários países do mundo.
As projeções estatísticas demonstram
que a proporção de idosos no país passará de 7,3% em 1991 (11 milhões) para cerca de
15% em 2025, que é a atual proporção de idosos da maioria dos países europeus, os
quais tiveram sua transição mais lenta e que ainda não conseguiram equacioná-la.
Deve-se recordar que estas projeções são baseadas em estimativas conservadoras de
fecundidade e mortalidade, sendo que se houver uma melhoria mais acentuada em nossa zonas
mais miseráveis, como o Nordeste, o envelhecimento brasileiro será muito maior.
O censo populacional de 1991 demonstrou
um crescimento populacional bem aquém do esperado por muitos. Estes ainda acreditavam que
estavam vivendo no período da "franca explosão demográfica"que ocorreu a
partir da segunda guerra mundial, onde a mortalidade começava a declinar e a fecundidade
permanecia alta, período que se completou no começo dos anos 60 com o inicio da queda
acentuada da fecundidade. Esta ilusão se deve, principalmente, ao fato de ainda
assistirmos ao grande aumento de nossas cidades.Este aumento urbano é fruto de uma
acelerada e constante migração rural.
De fato, no Brasil, o principal impacto
no setor saúde nesta segunda metade do século tem sido proporcionado pelo aumento
absoluto e relativo de nossa população adulta e idosa. Este fenômeno que denominamos de
transição demográfica, se caracteriza pela passagem de uma situação de alta
mortalidade mais alta fecundidade, com uma população predominantemente jovem e em franca
expansão, para uma de baixa mortalidade e, gradualmente, baixa fecundidade.
A Transição demográfica se faz
em quatro etapas:
1º) Alta
fertilidade/Alta mortalidade: numa primeira etapa tínhamos uma
taxa de nascimentos muito alta que era compensada por uma taxa de mortalidade também
muito alta. Desta maneira, a população se mantinha mais ou menos estável com uma grande
percentagem de jovens na população. Isto era o que acontecia no mundo todo até o
início deste século, nos países em desenvolvimento até a metade do século e ainda
ocorre em alguns países africanos.
2º) Alta
fertilidade/Redução da mortalidade: num segundo momento a taxa
de nascimentos continua muito alta e a mortalidade passa a diminuir consideravelmente em
relação à etapa anterior, o que ocasiona um crescimento muito grande da população as
custas, principalmente, da população jovem: a proporção de jovens na população
aumenta. É o que se chamou de "baby boom" ou explosão demográfica que ocorreu
intensamente no Brasil nas décadas de 40 e 50 e que ainda ocorre em alguns países
asiáticos.
3º) Redução
da fertilidade/ Mortalidade continua a cair: numa terceira etapa
nós temos uma diminuição da taxa de nascimentos e a de mortalidade continua a cair, o
que dará ainda um crescimento da população total mas, já não tão grande, com um
aumento da percentagem de adultos jovens e, progressivamente, de idosos. É o que acontece
no Brasil e em alguns países da América Latina.
4º) Fertilidade
continua a cair/Mortalidade continua a cair em todos os grupos etários: numa quarta etapa a taxa de nascimento cai mais, a mortalidade cai mais, o que
dá um certo equilíbrio na quantidade total da população mas com um aumento contínuo
da população de idosos. É o que acontece na maioria dos países europeus.
Poderemos chegar no ponto em que a taxa
de nascimento cai mais que a taxa de mortalidade, a ter um crescimento negativo da
população, que é o que está acontecendo hoje na Dinamarca, Hungria, Canadá e
acontecia na Alemanha antes da unificação.
Nos países desenvolvidos o aumento da
expectativa de vida ao nascimento já havia sido substancial à época em que ocorreram
grandes conquistas do conhecimento médico, na metade deste século. Este fato pode ser
ilustrado pelo clássico exemplo de redução da mortalidade nos Estados Unidos da
América do Norte publicado em 1981 por Fries e Capro
- naquele país, no início do século, a taxa de
mortalidade por tuberculose era de 194 mortes para cada 100.000 indivíduos por ano.
- Em 1925, a taxa já estava reduzida pela metade.
- A partir de 1940, a cada década, a taxa era a metade da
de cada década anterior.
As principais razões para esta redução
acentuada se deve à elevação do nível de vida da população norte-americana,
traduzida por uma urbanização adequada das cidades, melhores condições sanitárias,
melhoria nutricional, elevação dos níveis de higiene pessoal e melhoria das condições
ambientais, tanto residenciais como no trabalho. Todos esses fatores já estavam presentes
quando, no final da década de 40 e no início dos anos 50, foram introduzidos os exames
radiográficos, a BCG e uma série de fármacos potentes (isoniazida, PAS e a
estreptomicina)
que tiveram um importante papel na
mortalidade, incidência e prevalência da tuberculose. No entanto, o processo de queda da
mortalidade já estava, há muito, desencadeado naquele país.
Nos países menos desenvolvidos, não
vêm ocorrendo desta maneira. Embora milhões de pessoas continuem vivendo em graus
absolutos de miséria ou pobreza, as conquistas tecnológicas da medicina moderna
(assepsia, vacinas, antibióticos, quimioterápicos e exames complementares de
diagnóstico, entre outros), ao longo dos últimos 60 anos, conduziram aos meios que
tornaram possível prevenir ou curar muitas das doenças fatais do passado.
A queda da fecundidade somente iniciou-se
nos anos 60 e intensificou-se nos anos 70 (Figura 3), o que permitiu a ocorrência no
país o fenômeno de uma grande explosão demográfica (anos 40 e 50).
Considerando-se o exemplo do Brasil, a
passagem de uma situação de alta mortalidade mais alta taxa de nascimentos para uma de
baixa mortalidade e, gradualmente baixa fecundidade, traduz-se numa elevação da
expectativa de vida média ao nascer e num aumento, tanto em termos absolutos como
proporcionais, de pessoas que atingem idades mais avançadas. De fato: No início do
século (1900) a expectativa de vida ao nascimento era de 33,7 anos. Para um brasileiro
nascido durante a segunda guerra mundial era de apenas 39 anos. Em 1950 já aumentou para
43,2 anos. Em 1960, a expectativa de vida ao nascimento era de 55,9 anos, com um aumento
de 12 anos em uma década. De 1960 para 1980 aumentou para 63,4 anos, isto é, 7,5 anos em
duas décadas. De 1980 para 2000 deverá haver um aumento em torno de 5 anos, quando um
brasileiro ao nascer esperará viver 68,5 anos. De 2000 para 2025 deverá haver um aumento
de 3,5 anos
A figura 4 compara a evolução das
expectativas de vida no período de 1950-2025, para os diferentes continentes e para o
Brasil em particular:
- Como observamos, todas as curvas têm uma tendência
ascendente, sendo que a do Brasil assume uma inclinação particularmente acentuada,
somente comparável à dos países asiáticos, incluindo a China, que também apresentaram
um aumento acentuado no período em questão.
- As projeções mostram uma redução drástica nos
diferenciais verificados em meados do século. Por exemplo, em 1950 mais de 25 anos
separavam um brasileiro de um norte americano em termos de expectativa de vida ao
nascimento. Essa diferença passou, no momento, a ser de bem menos de 10 anos e, as
projeções mostram que no ano de 2025 esta diferença será de pouco mais de 4 anos
A principal característica do
crescimento da população idosa no Brasil é, sem dúvida, a rapidez com que se dará, de
hoje até os meados do século XXI. Na verdade, até o ano de 1960, todos os grupos
etários cresciam de forma semelhante à total, desta forma mantendo constante a estrutura
etária.
A Figura 5 mostra claramente que a partir
de 1960, o grupo com 60 anos ou mais é o que mais cresce proporcionalmente no Brasil,
enquanto que a população jovem encontra-se em um processo de desaceleração de
crescimento, mais notadamente a partir de 1970 quando o crescimento foi de 18%
(1970-1980), comparado com o crescimento da década anterior de mais de 31%.
De 1980 até o ano 2000, o grupo de 0-14
anos deverá crescer apenas 14% contra 107% dos 60 anos ou mais, sendo que a população
como um todo crescerá 56%.
Em outras palavras, iniciaremos o novo
século com a população idosa crescendo proporcionalmente 8 vezes mais que os jovens e
quase 2 vezes mais que a população total.
Estas mudanças significativas da
pirâmide populacional começam a acarretar uma série de previsíveis conseqüências
sociais, culturais e epidemiológicas, para as quais ainda não estamos preparados para
enfrentar.
Segundo dados extraídos do Censo
Demográfico de 1991, divulgados no Anuário Estatístico do Brasil, a população idosa
brasileira, naquele ano, era de 10,7 milhões, correspondendo a uma população de idosos
maior que a Inglaterra e Gales (possuíam 9,8 milhões de habitantes com 60 anos ou mais),
e maior que a população total de muitos países europeus, tais como Portugal, Bélgica,
Grécia e Suécia. Hoje a população idosa brasileira já passa dos 14 milhões, o que
evidencia a importância deste contigente populacional no Brasil.
Entretanto, a infra-estrutura necessária
para responder às demandas deste grupo etário em termos de instalações, programas
específicos e mesmo profissionais de saúde adequados quantitativa e qualitativamente,
ainda é precária.
2- O ENVELHECIMENTO POPULACIONAL BRASILEIRO E AS TRANSFORMAÇÕES NA
SOCIEDADE.
2.1.- Migração Rural:
No Brasil, em 1930, dois terços de nossa
população vivia em zonas rurais. Hoje em dia, mais que três quartos vive em zonas
urbanas. Este fluxo migratório, que denominamos permanente pelo fato dos migrantes rurais
não apresentarem a intenção de retorno a seus lugares de origem, deve-se a várias
causas: desemprego rural, diferença salarial campo/cidade, concentração de serviços
públicos nas cidades, influência da mídia que cria uma falsa idéia sobre a vida nas
grandes cidades, etc
O migrante padrão que chega
as nossas grandes cidades é o migrante jovem, o qual, em geral, deixa seus parentes para
trás. Para o idoso que teve por toda a sua vida uma grande família, que se caracterizava
por uma marcada solidariedade sócio-cultural, com um suporte provido pelos mais jovens,
rodeados de muitas crianças, esta mudança pode ser muito complicada, causando
desmotivação, sensação de desamparo e sintomas depressivos.
A migração rural que ocorre principalmente
as custas do deslocamento da população jovem e, em geral, deixando seus familiares
idosos no local de origem, tem proporcionado uma acentuação desse envelhecimento em
termos proporcionais. Com isso, justamente nas regiões menos desenvolvidas do país temos
as maiores proporções de idosos.
Os migrantes quando chegam a grande cidade,
ou vão morar em uma favela, ou, os com melhor situação financeira, vão morar em uma
zona proletária. Se, por acaso, o migrante levar consigo sua família e, com isso o idoso
também migrar, esta nova situação pode acentuar diversos problemas, tais como
dificuldades financeiras, deterioração das condições de saúde, solidão e exposição
a violências.
2.2.-
Alterações da Estrutura Familiar:
Sabemos que os problemas de saúde podem ser
causados ou agravados pela solidão e baixo nível sócio-econômico. Isto torna-se mais
intenso no caso de portadores de patologias múltiplas, situação mais comum no idoso e,
principalmente, no idoso frágil.
A solidão do idoso hoje em dia, está muito
relacionada as alterações que ocorrem na família de hoje. Nos grandes centros urbanos,
tem aumentado a proporção de pequenas famílias em detrimento das famílias extensas.
Este fenômeno de redução do tamanho das
famílias é progressivo e mundial, tendo motivado as Nações Unidas colocarem, no ano de
1994, a "célula germinativa da sociedade" no centro de interesse. Sob o lema
"Família - recursos e tarefas num mundo em transformação", a Assembléia
Geral da ONU determinou o ano de 1994 como Ano Internacional da Família.
Se observarmos o número médio de pessoas
por domicílio em diversos países representativos de suas regiões em 1993, vamos notar
que a pequena família tornou-se a forma de vida típica das nações industrializadas.
Com a Dinamarca e a Suécia com o menor número de pessoas por domicílio (2,2), seguidos
pela Alemanha (2,3), Inglaterra, Holanda, Áustria e Suíça (2,5), França (2,6), Hungria
e EUA (2,7), Itália e Canadá (2,8). Neste ano o Brasil apresentava uma média de 4,2
pessoas por domicílio, o que significava o casal com 2,2 filhos. A nação que apresentou
a maior média foi o Iraque (7,8), seguido da Argélia e Jordânia (6,9) e Paquistão
(6,7).
A redução do suporte familiar aos idoso
relaciona-se também à maior mobilidade das famílias pelo seu tamanho e o número
crescente de separações.
2.3.- Suporte
Social Comunitário:
O sistema informal de apoio, também
denominado de cuidado informal, fornecido por parentes, vizinhos, amigos ou instituições
comunitárias, tem sido e ainda se constitui no mais importante aspecto de suporte social
comunitário. O mesmo, da mesma maneira e pelos mesmos fatores que estão causando a
redução do tamanho das famílias, está progressivamente se reduzindo.
2.4.- O Envelhecimento e a Mulher:
Nós todos sabemos que a mulher, em média,
vive mais que os homens. No Brasil, como na grande maioria dos países, o aumento na
expectativa de vida ao nascer tem sido mais significativo no sexo feminino. Isto se deve a
vários fatores, principalmente pela proteção cardiovascular dada pelos hormônios
femininos, mas também pelas mulheres apresentarem: condutas menos agressivas; menor
exposição aos riscos no trabalho; maior atenção ao aparecimento de problemas de
saúde; melhor conhecimento destes; maior utilização dos serviços de saúde; menor
consumo de tabaco e álcool; etc. Também como um fator contributório pode-se citar a
moderna assistência médico-obstétrica que tem propiciado uma queda na mortalidade de
parturientes.
Diversos trabalhos têm
demonstrado que a mulher vem, cada vez mais, adotando hábitos que eram tidos como
próprios do homem, como fumar e beber. Além, vem se constituindo numa importante parcela
da massa de trabalhadores remunerados. A mulher que tradicionalmente no meio familiar era
quem tomava cargo das crianças e idosos, ao assumir um importante papel na força de
trabalho, provoca a necessidade de quando este idoso tornar-se enfermo ou incapacitado, do
contrato de um cuidador informal remunerado
A mulher é muito mais solitária na velhice
que o homem. Além de viver mais, casa-se mais jovem e, uma vez viúva apresenta uma menor
taxa de segundo casamento que o homem viúvo.
Os estudos longitudinais com pessoas idosas
têm revelado que a satisfação no trabalho se constitui num dos mais importantes
preditores de longevidade entre os homens, mesmo quando a variável taxa de saúde é
controlada. Trabalho aqui entendido de maneira ampla, não só trabalho remunerado:
trabalho em casa, trabalho voluntário, etc..
2.5.- Trabalho e
Aposentadoria:
Entre as mulheres idosas, estes estudos têm
demonstrado que a quantidade de atividades em grupos voluntários, tais como em igrejas,
clubes e organizações voluntárias, foi um preditor mais importante que a satisfação
no trabalho (trabalho como usualmente é conceituado). Este tipo de atividade
provavelmente desempenha o mesmo papel para a mulher que o trabalho para o homem, isto é,
estimulando: o moral pessoal e a saúde mental; o exercício e o suporte social.
Uma preocupação de muitas pessoas é se a
aposentadoria pode causar uma queda na qualidade de vida de um indivíduo. No entanto,
trabalhos longitudinais, têm demonstrado que a perda do trabalho não causa comumente uma
queda se as variáveis saúde e condição sócio-econômica forem controladas. Desta
maneira, não deve-se temer a aposentadoria, se esta for feita voluntariamente, com o
indivíduo em bom estado de saúde, com um confortável rendimento e permanecendo
socialmente ativo
No entanto, no Brasil rural,
a aposentadoria surge geralmente por incapacidades físicas e, tanto aí como em zonas
urbanas, aposentadoria usualmente representa uma condição sócio-econômica injusta e
inadequada. Muitos de nossos idosos necessitariam trabalhar para completar sua renda e,
embora diversos apresentem condições para tal e não haja proibição legal ao idoso
trabalhar, praticamente inexistem oportunidades para tal.
Dados do Ministério do Trabalho publicados
em 1993 demonstram que no dia 31 de dezembro de 1992 tínhamos no país 161.434
indivíduos com 65 anos ou mais (1,5% do número total desta faixa etária) com empregos
formais. Destes somente 1.191 (1,1% do número total de empregados) estava na área de
ensino, justamente aonde o idoso poderia dar sua maior contribuição (Fig.8).
2.6.- O
Custo Social do Envelhecimento:
Para avaliação do custo financeiro que a
parcela improdutiva da população, isto é, idosos e crianças, representam para a
parcela produtiva da sociedade, utiliza-se um indicador denominado de coeficiente de
dependência. Este é usualmente definido como a razão da população de menos de 15
anos e de 60 anos ou mais para aqueles situados na faixa de 15 anos e 59 anos de idade.
No Brasil, apesar do crescimento absoluto e
proporcional da faixa etária com 60 anos ou mais, o coeficiente não se elevou, na
verdade decresceu, devido ao fato do grupo etário de 0 a 14 anos ter decrescido muito. No
entanto isto não se traduz numa redução do custo financeiro para a parcela produtiva da
sociedade (fig. 9). O crescimento da faixa de idosos no coeficiente de dependência
representa um custo maior para a sociedade. Em países onde há programas específicos
para os idosos, em média, os governos despendem cerca de 3 vezes mais com esse grupo do
que com a população de 0 a 14 anos.
3-
MUDANÇAS NOS PERFIS DE SAÚDE
Tem-se desenvolvido, dentro deste contexto,
uma rápida transição nos perfis de saúde em nosso país que se caracteriza, em
primeiro lugar, pelo predomínio das enfermidades crônicas não transmissíveis e, em
segundo lugar, pela importância crescente de diversos fatores de risco para a saúde e
que requerem, complexamente, ações preventivas em diversos níveis. As doenças
infecto-contagiosas que, em 1950, representavam 40% das mortes ocorridas no país, hoje
são responsáveis por menos de 10%, enquanto que com as doenças cardiovasculares ocorreu
o oposto: em 1950 eram responsáveis por 12% das mortes e hoje representam mais de 40% das
mortes em nosso país.
Passamos, em menos de 40 anos, de um perfil
de mortalidade materno-infantil, para um perfil de mortalidade por enfermidades complexas
e mais onerosas, típicas das faixas etárias mais avançadas. Apesar disso, mesmo em
regiões mais desenvolvidas do país, aonde as diferenças são mais marcantes, os
sistemas de saúde se caracterizam pela priorização da atenção materno infantil,
desconsiderando a nossa realidade epidemiológica.
Na medida em que o nosso país passa por
esta rápida transição demográfica e nos perfis de saúde, cresce de importância a
necessidade da quantificação dos recursos que a sociedade tem que arcar para fazer
frente as necessidades específicas deste segmento etário. Estudos populacionais
realizados em São Paulo têm demonstrado que o aumento da sobrevida acarreta um aumento
da prevalência de doenças crônicas, perda da independência funcional e da autonomia.
Autonomia entendida como o exercício da autodeterminação e Independência Funcional
como a capacidade do indivíduo em realizar as suas atividades diárias, como vestir,
comer, banhar-se, etc. O funcionamento é o resultado da interação da capacidade do
indivíduo e do ambiente que apoia esta capacidade. Nossas cidades, ruas, calçadas,
transporte, prédios, casas, etc., que não foram projetadas pensando-se em indivíduos
idosos, se constituem em verdadeiras barreiras arquitetônicas à independência funcional
da população idosa.
4-
O IMPACTO DO ENVELHECIMENTO POPULACIONAL NO SETOR SAÚDE:
Uma das principais conseqüências desta
transformação demográfica se dá no financiamento do setor saúde. Estudos recentes
têm demonstrado uma participação desproporcional dos idosos na demanda por serviços de
saúde.
Dados do Município de São Paulo demonstram
que os pacientes idosos, de uma maneira global, não causam um impacto muito grande nos
atendimentos ambulatoriais da rede básica. No entanto, um estudo realizado pela Escola
Paulista de Medicina no serviço de Pronto Atendimento do Hospital São Paulo, demonstrou
que o paciente idoso procura, freqüentemente em primeiro lugar, a porta do pronto
socorro. Este estudo constou do seguimento da trajetória do paciente idoso dentro deste
serviço de urgência, onde ficou claro de que a grande maioria dos pacientes não
apresentavam problemas urgentes de saúde. Esta distorção, além de custar caro para o
sistema de saúde, não resolve os problemas do idoso que em geral são múltiplos e
crônicos, necessitando continuidade no tratamento, o que não consegue em serviços
destinados ao atendimento de urgências e emergências.
Ao analisarmos os dados de internação
hospitalar pelo SUS no ano de 1997, constatamos que no Brasil, o Sistema Único de Saúde
pagou um total de 12.715.568 autorizações de internação hospitalare (AIHs) (Fig.8).
Destas:
2.471.984 foram consumidas pela
faixa etária de 0-14 anos, que em 1996 representava 33,9% da população total. Deve-se
levar em consideração que aqui também estão incluídas as diárias dos recém-nascidos
em ambiente hospitalar.
7.325.525 foram as consumidas pela
faixa etária de 15-59 anos que representava 58,2% da população.
2.073.915 foram as consumidas pela
faixa etária de 60 anos ou mais, que representava 7,9% da população total.
480.040 AIHs foram consumidas por
indivíduos de idade ignorada. Estas hospitalizações, em sua grande maioria,
corresponderam a tratamentos de enfermidades mentais de longa permanência, em geral
pessoas acima de 50 anos de idade. Esta parcela de AIHs, por motivos óbvios, foram
excluídas dos estudos em que se diferencia o impacto que cada faixa etária causou no
Sistema Hospitalar.
A taxa (coeficiente) de hospitalização
(número de hospitalizações por 1.000 habitantes de uma faixa etária) foi de 46 para o
segmento de 0 a 14 anos (isto é, 46 hospitalizações em um ano por 1.000 indivíduos que
possuem entre 0 a 14 anos de vida), 79 para o segmento de 15 a 59 anos e de 165 para o
grupo de 60 anos ou mais.
O tempo médio de permanência
hospitalar foi de 5,1 dias para o grupo de 0-14 anos, 5,1 dias para o grupo de 15-59 anos
e 6,8 dias para o grupo mais idoso não foi tão alto do que o observado em países mais
desenvolvidos, no entanto, quando observamos o
O índice de hospitalização (número de
dias de hospitalização consumido por habitante/ano), notamos que cada indivíduo da
faixa de 0-14 anos esteve 0,23 dias no hospital no ano de 1996, na faixa de 15-59 anos o
índice foi de 0,40 dias e na faixa de 60 anos ou mais, 1,12 dias (isto é, cada
brasileiro desta faixa etária consumiu, per capita, 1,12 dias de hospitalização no SUS
Se desdobrarmos a faixa etária de
60 anos ou mais em grupos de 5 anos, vamos notar que para cada 5 anos de idade teremos um
aumento significativo do índice de hospitalização, desde 0,8 dias na faixa de 60-64
anos até 1,9 dias na faixa de 80 anos ou mais.
De um custo total de R$ 2.997.402.581,29,
uma grande parcela (23,9) foi consumido pelos idosos, 19,7% pela faixa de 0-14 anos e
57,1% pela de 15-59 anos.
O custo médio por hospitalização
foi de R$ 238,67 para a faixa etária de 0-14 anos, R$ 233,87 para os entre 15-59 anos e
R$ 334,73 para os com 60 anos de idade ou mais.
O índice de custo (custo de
hospitalização consumido por habitante/ano) foi de R$ 10,93 para o segmento mais novo,
de R$ 18,48 para o grupo de 15-59 anos e R$ 55,25 para o de 60 anos ou mais.
A baixa média de permanência hospitalar,
quando comparada com outros países, encontrada na população idosa pode ser explicada
pelo método de pagamento do governo ao hospital conveniado, que consta de um pagamento
global por procedimento, levando em conta somente o tratamento de uma enfermidade: a que
motivou a internação hospitalar, e independe do número de enfermidades que o paciente
possa apresentar, do tempo de permanência e dos gastos necessários de medicações e de
exames complementares. Isto poderia ser uma das explicações para as dificuldades que os
idosos têm, em muitas cidades brasileiras, quando necessitam de uma vaga hospitalar.
Também, poderia explicar em parte, a alta precoce que muitos idosos recebem, o que
estaria levando às freqüentes re-internações dos mesmos.
Com estes dados, podemos concluir que,
com o aumento da nossa população idosa, determinados aspectos estão necessitando
maiores discussões dentro do Sistema Público de Saúde Brasileiro.
5.- INADEQUAÇÃO DO
MODELO ATUAL DE ASSISTÊNCIA E A NECESSIDADE DE MUDANÇAS:
Outra questão a ser respondida é se este
aumento nos gastos do setor saúde se traduz em benefício para a população idosa. Os
trabalhos têm demonstrado que os recursos econômicos, sociais e de saúde não são
adequadamente analisados. As atividades da vida diária não são levadas em conta e o
estado nutricional, em geral, é abordado superficialmente.
A não identificação ou não preocupação
com os problemas considerados típicos da terceira idade, os assim chamados "Gigantes
da Geriatria" apresentam uma alta taxa de prevalência. Um trabalho realizado na
cidade de Rio Grande-RS demonstrou:
Incontinência urinária: Foi
encontrada uma alta prevalência (31,4%) e somente 21,8% destes foram diagnosticadas. Isto
é, 78,2% dos idosos com incontinência urinária não mereceram ter seu problema
registrado no prontuário hospitalar. Somente 8% receberam algum tipo de cuidado (sonda
urinária ou coletor de urina) e nenhum deles teve sua incontinência investigada.
Instabilidade postural e quedas: Foram
relatadas por 18,8% dos pacientes e nenhum foi diagnosticado.
Imobilidade: Foi detectada em
18,4% dos paciente, com uma taxa de diagnóstico de 31,4%, sendo que menos da metade dos
diagnosticados receberam tratamento apropriado.
Demência: Foi detectada em 5%
dos pacientes e nenhuma foi diagnosticada.
Delirium: Foi detectado em
6,1% dos pacientes e nenhum foi diagnosticado. (O baixo índice encontrado, comparado com
a literatura internacional, pode ser explicado pelo fato de que o prontuário somente era
aplicado ao paciente 48 horas após sua a entrada no hospital).
Depressão: Usando-se os
critérios do DSM III-R, que é o instrumento mais conhecido em nosso meio, encontrou-se
uma prevalência de 10,1% de Depressão Maior, sendo que somente um paciente teve seu
problema registrado e nem ele recebeu tratamento específico. E, o pior: todos os
pacientes deprimidos estavam fazendo uso de pelo menos um fármaco que comprovadamente
precipita ou piora depressão.
Diversos trabalhos realizados em nosso país
têm confirmado de maneira consistente os achados acima. Exemplificamos com 2 trabalhos
realizados pelo Dr. Ulisses Gabriel Vasconcelos Cunha, em Belo Horizonte:
Incontinência Urinária no Idoso
Hospitalizado: Foi realizado uma avaliação randomizada em 267 idosos
hospitalizados em 2 hospitais de Belo Horizonte, um geriátrico e outro um hospital geral,
aonde foram obtidos os seguintes dados:
Prevalência de incontinência
urinária em 129 pacientes (48,3%).
A incontinência urinária havia
sido diagnosticada em apenas 34 pacientes (26,4%) e somente 5 tiveram seu problema anotado
pelo médico assistente no prontuário.
Somente 32 pacientes (24,8%)
receberam algum tipo de cuidado (a maioria homens com coletor urinário e mulheres com
sonda permanente).
Não ocorreram diferenças
estatisticamente significativas entre os dois hospitais.
Depressão Maior em Idosos
Hospitalizados em Enfermarias Gerais: Foi realizado uma avaliação
randomizada, utilizando-se os critérios do DSM III-R, em 202 idosos hospitalizados (102
homens e 100 mulheres) em um hospital geral de Belo Horizonte, aonde foram obtidos os
seguintes dados:
Prevalência de 8,9% (14 mulheres e
4 homens).
Depressão diagnosticada em somente
3 pacientes.
Somente 1 dos deprimidos em uso de
antidepressivo (mianserina, 30mg/dia).
8 dos 15 deprimidos não diagnosticados
faziam uso de fármacos potencialmente causadores de depressão.
No dia 12/06/96, no momento de fechamento
da Clínica Santa Genoveva, foi procedida uma avaliação clínica nos idosos
hospitalizados (segundo informações do Escritório de Representação do Ministério
da Saúde no Estado do Rio de Janeiro, constituída por médicos clínicos altamente
qualificados). No resultado publicado desta avaliação não foi relatado nenhum caso de
incontinência urinária, nem de depressão, delirium, demência, instabilidade postural e
quedas, além de imobilidade. Estes problemas de saúde, típicos da terceira idade, foram
denominados por Bernard Isaacs como os "Gigantes da Geriatria", tendo afirmado
que o maior desafio daqueles que cuidam de pessoas idosas seria a prevenção, o
tratamento e/ou cuidados dos mesmos.
Em 1997 com a coordenação do Dr. Renato
Maia Guimarães, foi apresentado na Revista Brasília Médica, da Associação Médica de
Brasília, um trabalho de pesquisa intitulado: Depressão: a morbidade oculta em pacientes idosos cirúrgicos. Este trabalho recebeu prêmio da mesma associação como o melhor
trabalho científico do anos publicado na citada revista. O estudo foi do tipo
transversal, tendo sido analisados 84 pacientes com idade superior a 60 anos de idade (46
mulheres e 38 homens) submetidos a tratamentos cirúrgicos em 3 hospitais públicos do DF
(HUB, HBDF e HRAN). O instrumento utilizado foi a Escala de Depressão Geriátrica e
excluiu-se os pacientes em pós-operatório imediato, os sem perspectiva de alta e os
incapazes de responderem às perguntas. Foram obtidos os seguintes resultados:
7% dos pacientes apresentaram
depressão grave e 37% depressão moderada;
a ocorrência de depressão não
esteve associada a dor, natureza da patologia ou uso de medicação;
nenhum dos pacientes teve sua
depressão registrada, ainda que em um dos casos tenha sido solicitada avaliação
psiquiátrica;
a média de permanência hospitalar foi
significativamente maior nos pacientes com depressão grave.
O número de mortes registradas por doença de Alzheimer no Brasil, no ano de 1994, foram de 391 (378 em domicílios e 13 em
hospitais), o que está subestimado. Considerando a média das pesquisas teríamos como
extrapolação, naquele ano, entre 450.000 a 600.000 casos de demência em nosso país.
Considerando que a doença de Alzheimer representa em torno de 50% dos casos de demência
e que a sobrevida média de seus portadores seria de 15 anos após o início da mesma,
teríamos que ter entre 15.000 a 20.000 casos de morte por ano, isto considerando que a
população seja estável. Como tal não ocorre, se fizermos os ajustes para 1985 (10 anos
antes) teríamos que ter tido entre 10.000 a 13.500 mortes por doença de Alzheimer em
1994.
Os dados de hospitalização pelo SUS
demonstram um desconhecimento desta enfermidade, bem como das outras causas de demência
potencialmente reversíveis. Como ilustração, foram registradas somente 197
hospitalizações por doença de Alzheimer em todo o Brasil no ano de 1996.
Considerando-se todas as AIHs por demência neste mesmo ano, observamos que foram
registrados os seguintes tipos de demência:
HOSPITALIZAÇÕES
POR DEMÊNCIA - SUS - 1996 |
TIPO DE DEMÊNCIA |
No A IHs |
$ TOTAL |
Média Perman. |
Óbitos |
INESPECÍFICA |
98.216 |
46.389.593,77 |
26,2 dias |
304 |
SENIL |
6.831 |
3.241.740,42 |
24,9 dias |
73 |
ALCOÓLICA |
4.103 |
1.808.231,52 |
23,9 dias |
8 |
ARTERIOESCLERÓTICA |
1.183 |
553.651,92 |
25,4 dias |
15 |
PRÉ-SENIL |
981 |
428.697,30 |
24,1 dias |
1 |
ALZHEIMER |
197 |
90.982,28 |
19,4 dias |
13 |
PICK |
16 |
6.783,18 |
22,9 dias |
1 |
JAKOB CREUTZFELDT |
2 |
1.343,42 |
22,5 dias |
1 |
TOTAL |
114.681 |
52.521.023,81 |
25,2 dias |
416 |
Os achados confirmam que o
idoso, em relação as outras faixas etárias, consome muito mais do nosso Sistema de
Saúde e que este maior custo não reverte em seu benefício. O nosso idoso não recebe
uma abordagem médica ou psicossocial adequada em nossos hospitais, também não é
submetido a uma triagem de reabilitação. Tem sido encontrado, também, uma alta
prevalência de problemas médicos facilmente identificáveis e remediáveis entre os
idosos que não são observados pelo médico responsável.
A abordagem médica tradicional do adulto
hospitalizado, focada em uma queixa principal e o hábito médico de tentar explicar todas
as queixas e sinais com uma única doença, que é comum no adulto jovem, mas raro no
idoso (nenhum idoso em nosso estudo apresentou somente um problema de saúde: 75%
apresentaram pelo menos 3 problemas médicos concomitantes e 50% apresentaram, pelo menos,
7 problemas concomitantes), tem contribuído decisivamente para as dificuldades na
abordagem médica do paciente idoso.
A falta da discussão adequada dos
determinantes sócio-econômicos do processo de saúde e enfermidade em nossos Cursos
Universitários, se constitui numa das principais causas da inadequada avaliação
sócio-econômica do paciente idoso.
6- CONCLUSÕES
6.1.- O desafio do
envelhecimento populacional ao setor saúde
Na área da saúde vários são os problemas
que afetam atualmente o país. Com a emergência da população idosa esse quadro de
precariedade tende a se agravar. É sabido e, vimos anteriormente, que os idosos consomem
mais serviços de saúde. Acrescente-se a isso o fato de que as taxas de internação
hospitalar são bem mais elevadas quando comparadas a outro grupo etário e o tempo médio
de ocupação do leito hospitalar também.
A falta de serviços domiciliares e/ou
ambulatoriais adequados faz, muitas vezes, com que o primeiro atendimento se dê em
estágio avançado no hospital, aumentando os custos e diminuindo a possibilidade de um
prognóstico favorável. Os problemas de saúde dos mais velhos, além de serem de longa
duração, requerem pessoal qualificado, equipe multidisciplinar, equipamentos e exames
complementares, ou seja, exigem o máximo da parfenália do complexo médico industrial.
A cada ano que passa mais 650 mil idosos
são incorporados à população brasileira. Já perdemos muito tempo acreditando que
ainda somos um país jovem, sem dar o devido crédito às informações demográficas que
mostram e projetam o envelhecimento de nossa população.
As enfermidades dos idosos, na imensa
maioria das vezes, são crônicas, ou seja, são problemas de saúde que vão perdurar 15,
20 ou mais anos. Portanto, o modelo existente, hospitalar ou asilar, não pode ser a base
do sistema. Por outro lado, pensar apenas em tratamento ambulatorial, com medicamentos,
exames para-clínicos e idas constantes aos serviços de saúde é, também, se acomodar
aos antigos modelos. Temos que ser criativos, propondo alternativas mais eficientes e
adequadas. A assistência médica formal, além de cara, não consegue cobrir todas as
necessidades dos idosos. Devemos incentivar a criação dos chamados espaços alternativos
ou instâncias intermediárias, tais como: hoepital-dia, centros de convivência, além de
centros-noite, lares abrigados e protegidos para aqueles que necessitam de cuidados
institucionais. Para os demais idosos, devemos incentivar os modelos de avaliação
geriátrica ampla, utilizando métodos de screeening, testes de performance e da abordagem
epidemiológica dos fatores de risco.
6.2.- Por um novo
modelo de atenção integral à saúde do idoso
A idéia de um novo modelo de atenção à
saúde do idoso surgiu na Grã Bretanha no final dos anos 30 com os chamados Geriatric
Assessment Programs ou Evaluation Units, que poderiam ser traduzidos por
Programas de Abordagem ou Avaliação Geriátrica.
O Programa de Avaliação Geriátrica pode
ser conceituado como um processo diagnóstico multidimensional, comumente
interdisciplinar, projetado para quantificar no idoso suas condições (capacidades e
problemas) médicas, psico-sociais e funcionais, com o objetivo de se conseguir um plano
terapêutico e de seguimento abrangente.
Este tipo de abordagem foi originalmente
elaborado para o cuidado de idosos debilitados, sendo que, quanto mais debilitado for o
idoso, maior a utilidade desse tipo de enfoque.
O conceito de abordagem geriátrica se
originou com os pioneiros britânicos dos anos 30, como a Dra. Marjory Warren,
Dr. Lionel Cosin e Sir Ferguson Anderson. Estes médicos clínicos
observaram uma taxa preocupantemente alta de institucionalizações a longo prazo de
pacientes idosos debilitados e com alto grau de incapacidade, a maioria dos quais não
havia sido submetida a uma avaliação cuidadosa, nem médica, nem psico-social e nem
havia sido submetida a uma tentativa de reabilitação.
Estes pratriarcas da Moderna Geriatria
identificaram uma alta prevalência de problemas facilmente detectáveis e remediáveis,
tanto em pacientes institucionalizados como em não institucionalizados. Eles também
observaram que a maioria apresentava uma acentuada melhora quando recebia uma terapêutica
apropriada e eram submetidos a um processo de reabilitação.
Os primeiros relatos de programas de
abordagem geriátrica foram feitos pela Dra. Marjory Warren, iniciando-se assim o
conceito de Unidade de Avaliação Geriátrica. Isto ocorreu no final dos anos 30, quando
a Dra. Warren teve a seu cargo uma grande enfermaria em Londres. Esta enfermaria estava
repleta principalmente de idosos cronicamente enfermos, confinados ao leito e
freqüentemente negligenciados. Ela observou que os mesmos não haviam recebido um
adequado diagnóstico médico ou de reabilitação, sendo rotulados como pacientes que
necessitavam de institucionalização por toda suas vidas. A alta qualidade dos cuidados
de enfermagem mantinha vivos estes pacientes, enquanto a falta de uma avaliação médica
e de reabilitação os mantinha incapazes.
A Dra. Warren avaliou sistematicamente estes
pacientes, iniciando uma mobilização ativa e uma reabilitação seletiva. Ela conseguiu
libertar do leito a maioria dos idosos que estavam presos aos mesmos e, em um grande
número de casos, conseguiu até dar alta aos idosos que, desta maneira, puderam retornar
aos seus lares.
Como resultado de suas experiências, passou
a advogar a idéia de que cada paciente idoso deveria receber uma avaliação compreensiva
(abrangente) e uma tentativa (experiência) de reabilitação antes de ser admitido em um
leito hospitalar de longo prazo ou "Nursing Home".
Do trabalho destes pioneiros emergiram dois
princípios básicos da geriatria:
(1) - Muitos idosos necessitam, para seus
cuidados, de uma abordagem diagnóstica e terapêutica mais ampla que os pacientes mais
jovens.
(2) - Nenhum paciente deve ser admitido em
um serviço de cuidados a longo prazo sem uma prévia e cuidadosa avaliação médica e
psico-social e, para a maioria dos pacientes, deve-se fazer uma triagem de reabilitação.
Este sistema, também designado de
"Cuidado Geriátrico Progressivo", tem sido modelo para o cuidado de pacientes
idosos em diversos países.
Aspectos específicos deste modelo de
cuidados progressivos diferem de um local para outro, mesmo na Grã Bretanha. Não há uma
total concordância quanto a idade do paciente que limita os Serviços de Medicina Interna
do de Cuidados Geriátricos (Exs: 65, 70 ou 75 anos). Vários países construíram ou
estão construindo sistemas de cuidados geriátricos de maneira similar ao Sistema
Britânico, todos tendo as Unidades de Avaliação Geriátrica como a porta de entrada do
Sistema de Cuidados de Saúde.
Objetivos de um
programa de avaliação geriátrica
(1) O primeiro objetivo de um programa de
avaliação geriátrica é a melhoria da acuracidade diagnóstica, diagnóstico
não somente significando diagnóstico médico, mas também de problemas funcionais,
psicológicos e sociais. A natureza multiprofissional e multidimensional da avaliação
Geriátrica é vital, devido no idoso ser muito mais freqüente e intensa a multiplicidade
de problemas e a interação entre as enfermidades física e psicossociais, o que causa
dificuldades para uma única profissão conseguir atingir um diagnóstico compreensivo
(abrangente) e acurado.
(2) A melhora na acuracidade diagnóstica
pode levar a uma melhoria no tratamento. Altos índices de regimes medicamentosos
inadequados e doenças iatrogênicas têm sido documentados em idosos e, dados
preliminares sugerem que uma abordagem (avaliação) cuidadosa pode ajudar na melhora
destes problemas.
(3) A determinação de uma ótima
colocação do paciente após o programa de avaliação e cuidados iniciais que evitem
o uso inapropriado de serviços institucionais, tem sido um dos objetivos principais da
maioria dos Programas de Avaliação Geriátrica, tanto pela compaixão, como pelos custos
(melhor uso dos serviços de saúde).
(4) Todos estes objetivos, se atingidos,
podem ter efeitos benéficos, tanto para o aumento da sobrevida como da qualidade
de vida.
(5) A educação e a pesquisa são
aspectos importantes de alguns programas e podem afetar profundamente a estrutura dos
mesmos. A maioria dos programas de avaliação são objetivados para a obtenção de dados
acurados, para documentação da melhora do paciente no tempo e, para qualificar os
propósitos da avaliação.
As variações entre os programas em geral
estão relacionadas a escolha dos objetivos do mesmo. Embora a avaliação seja comum a
todos, muitos também incluem tratamento e reabilitação. Alguns também incluem cuidados
de agudos.
Outro aspecto que varia bastante entre os
diversos programas existentes é a respeito dos critérios de inclusão e exclusão
baseados na idade cronológica. Embora o critério de idade seja estabelecido
arbitrariamente, os programas em geral incluem 65 anos como idade mínima com a finalidade
de que a sua "vocação geriátrica" não se transforme num programa para
cuidados de pacientes crônicos de qualquer idade.
Alguns programas possuem uma orientação
psicogeriátrica, aceitando principalmente pacientes com problemas de demência ou
depressão.
Avaliação
geriátrica ampliada
A abordagem de avaliação varia entre os
programas, sendo que a maioria inclui uma avaliação multidimensional, incluindo as
áreas de saúde física, estruturas de suporte social, estado psicológico e habilidade
funcional.
Alguns programas utilizam uma bateria de
testes compreensivos (abrangentes) ou instrumento multidimensional para realizar a
avaliação; outros utilizam alguns instrumentos unidimensionais já existentes, ajustados
ao seu programa particular; enquanto que outros apoiam-se principalmente em julgamentos,
não usando nenhum instrumento em particular.
Em alguns programas cada
membro da equipe realiza avaliações somente relacionadas à sua área de competência,
enquanto em outros um único membro preenche o instrumento completo.
Muitos programas tratam de assegurar
confiabilidade e validade à seus instrumentos, enquanto outros utilizam instrumentos já
validados em outros locais, com uma sensibilidade e especificidade já conhecidas. Alguns
programas utilizam instrumentos cujos dados são facilmente computadorizados, enquanto que
outros não se preocupam com a tabulação dos dados.
Embora a avaliação geriátrica em si não
requeira instrumentos e escalas específicas, o uso de instrumentos de fácil aplicação
e que sejam bem validados torna o processo de avaliação mais confiável e
consideravelmente mais fácil de ser ensinado. Além do mais, estes instrumentos facilitam
a troca de informações de maneira mais fácil de serem entendidas, quer entre serviços,
quer entre os diversos membros da equipe, facilitando o trabalho de grupo, fornecendo
dados válidos para serem tabulados e, a medida do progresso terapêutico no tempo.
Têm surgido vários trabalhos atuais que
analisam em detalhes os diversos instrumentos de avaliação geriátrica existentes,
descrevendo detalhadamente aqueles que possam ser melhores para um programa em particular.
Em nossa experiência, os instrumentos mais úteis na suplementação da avaliação
clínica padrão, isto é, história e exame físico, têm sido:
1- Instrumentos de
avaliação mental: triagem da função cognitiva e do afeto.
2- Estado funcional
global: escalas de atividades básicas e instrumentais da vida
diária.
Fonte: Ministério da Saúde - Programa Saúde do Idoso
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