Nutrição Atividade física em jejum
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Autor: Paulo Gentil
Graduado em Educação Física pela Universidade de Brasília.
Pós-graduado em Musculação e Treinamento de Força pela Gama Filho e em
Fisiologia do Exercício pela Veiga de Almeida.
Presidente do Gease
Coordenador de musculação da Academia Resistência Física
Treinador de força da triatleta Mariana Ohata
Treinador da equipe profissional do Gama de basquete |
No combate à gordura, todas as
armas parecem atraentes, desde as práticas mais simples até as mais
sacrificantes, como os treinos em jejum. A realização de exercícios antes do
café da manhã já era pregada há muito tempo.
Jejum e cérebro
O cérebro é um órgão extremamente ativo, apesar de constituir cerca de 2% da
massa total de um adulto, ele é responsável por quase 15% de nosso gasto
energético de repouso, em torno de 7,5 vezes mais que os outros tecidos. Tamanha
demanda metabólica é devida principalmente à condução de impulsos nervosos, pela
bomba de sódio-potássio. Por que estou tocando nesse assunto? Porque, em
condições normais, esta demanda energética é suprida pela glicose sangüínea, e
supõe-se que o jejum possa afetar negativamente o metabolismo cerebral.
Em condições normais os níveis sangüíneos de glicose ficam em torno de 80-90
mg/100 ml. Quando permanecemos em jejum, inicia-se a gliconeogênese, com
mobilização das reservas de carboidratos do fígado. Ocorre, em seguida, o
catabolismo das proteínas que são diretamente utilizadas pelos tecidos ou
convertidas em glicose. Após esta fase de utilização de proteínas e
carboidratos, prioriza-se finalmente a mobilização da gordura, com a formação de
corpos cetônicos, que podem atravessar a barreira sangue cérebro e serem
utilizados como energia. Se o jejum prosseguir por muito tempo, intensifica-se
novamente o catabolismo protéico, desta vez de forma mais acentuada e danosa.
Em repouso, um organismo saudável pode se adaptar ao jejum com certa facilidade,
mas diante de uma demanda metabólica elevada, como nos exercícios a situação
pode não ser tão simples. Muitas pessoas não conseguem se adaptar de forma
eficiente e o organismo procura se proteger induzindo desmaios. Além dos perigos
envolvidos nos desmaios, há um muito mais grave: danos neurais permanentes. Isto
significa que se o a adaptação não for rápida e eficientemente, seu cérebro pode
ser gravemente lesado (AUER, 1986; AUER et al, 1993; DE COURTEN-MYERS et al,
2000; DOLINACK et al, 2000; NEHLIG, 1997).
Jejum e queima de gordura
Diversos estudos têm mostrado que a realização de exercícios em jejum leva a
economia de glicose e maior mobilização de gordura durante a atividade e algum
tempo após seu término. Porém não devemos esquecer que diante da escassez de
alimentos o corpo pode entrar em um estado de "racionamento de energia"
diminuindo o gasto energético, conforme verificaram pesquisadores coreanos (LEE
et al, 1999). Devemos lembrar que a quantidade de energia gasta após a
atividade, não é necessariamente relacionada à queima de gordura, mas sim à sua
intensidade (CALLES-ESCANDON et al, 1996; LEE et al, 1999).
Em pesquisa publicada em 1999, estudaram-se as respostas hormonais em atividades
aeróbias diante de duas situações: 1) jejum de 12 horas; e 2) ingestão de
carboidratos (antes e durante o teste). De acordo com os resultados o jejum leva
a maior oxidação de gordura, refletido em um coeficiente respiratório menor.
Como esperado, as taxas de glicose e insulina foram menores no jejum, com a
insulina permanecendo elevada 1,5 hora após o término da atividade. Porém os
níveis de cortisol (hormônio catabólico) quase dobraram durante a pedalada e
mantiveram-se 80% maiores 90 minutos após o fim do exercício, em relação ao
grupo que ingeriu carboidratos. (UTTER et al, 1999)
A ocorrência da maior oxidação de gordura no jejum é um ponto pacífico, mas
observe a seguinte pesquisa e reflita sobre a relevância dos fatos. Em estudo
realizado na Universidade de Vermont foram testadas as respostas metabólicas
durante e após uma atividade aeróbia em três condições nutricionais: 1) ingestão
de lanche sólido (43 gramas de carboidratos, 9 de gordura e 3 de proteínas), 2)
bebida com frutose (65 gramas de frutose dissolvidas em 250ml de água) e 3) água
flavorizada (250ml de água adoçada com apartame) (CALLES-ESCANDON et al, 1991).
Os resultados foram os seguintes:
Substância |
Oxidação de gordura no
exercício |
Diferença em relação ao
placebo |
Oxidação de gordura na
recuperação |
Diferença em relação ao
placebo |
|
266 mg/min |
+ 8 |
75 mg/min |
- 45 |
Frutose |
261 mg/min |
+4 |
93 mg/min |
-27 |
Placebo |
257 mg/min |
--- |
120 mg/min |
--- |
Os resultados mostram que 60
minutos após se exercitar em jejum você "queima" mais gordura do que se tivesse
ingerido frutose (+/-30% a mais) ou glicose (+/- 60% a mais) antes da atividade.
Dentro da matemática estes números parecem bem expressivos, mas na vida real as
coisas são diferentes. Observe a unidade de medida, miligramas por minuto, para
expressarmos os valores em gramas devemos dividi-los por 1.000. Como exemplo,
peguemos a segunda linha da tabela acima (a iniciada com "Doce"), teríamos
assim, uma diferença de 45 mg em um minuto isto significaria que em uma hora
você gastaria apenas 2,7 gramas de gordura a mais do que se tivesse feito um bom
lanche.
Desta forma, para que você consiga uma diferença de 1 quilo de gordura, este
mesmo número teria que se repetir mais de 370 vezes (mais que o número de dias
de um ano)!!! Por que algumas pessoas perdem peso se exercitando em jejum? Uma
explicação razoável seria que, por bem ou por mal, esta prática reduz o gasto
calórico diário, pois você obrigatoriamente passará de 8 a 12 horas sem comer,
além de exigir uma boa dose de determinação e disciplina, o que pode estimula-lo
na dieta e treinos.
Porém não existem provas suficientes para defender o treino em jejum, por mais
que se alegue uma maior utilização relativa de gordura durante e alguns minutos
após o treino, estes números são inexpressivos quando expostos em termos
absolutos. A própria ênfase na utilização de gordura durante o treino é
ultrapassada e remonta a discussão dos exercícios aeróbios.
Também não há provas científicas diretas para condenar totalmente a realização
de atividades físicas em jejum. Empiricamente, vemos que algumas pessoas se
adaptam bem a esta situação, optando inclusive por não se alimentar antes dos
treinos. Porém ressalto que esta é uma questão individual de bem-estar e induzir
alguém a praticar atividades físicas em jejum com objetivos estéticos, sem
analisar seu quadro geral, não é um procedimento correto, de acordo com as bases
científicas atuais.
Referência Bibliográfica
AUER RN, SIESJO BK. Hypoglycaemia: brain
neurochemistry and neuropathology. Baillieres Clin Endocrinol Metab 1993
Jul;7(3):611-625
AUER RN. Progress review: hypoglycemic brain damage. Stroke 1986
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CALLES-ESCANDON J, DEVLIN JT, WHITCOMB W, HORTON ES. Pre-exercise feeding
does not affect endurance cycle exercise but attenuates post-exercise
starvation-like response. Med Sci Sports Exerc 1991 Jul;23(7):818-24
CALLES-ESCANDON J, GORAN MI, O"CONNELL M, NAIR KS, DANFORTH E JR. Exercise
increases fat oxidation at rest unrelated to changes in energy balance or
lipolysis. Am J Physiol 1996 Jun;270(6 Pt 1):E1009-14.
DE COURTEN-MYERS GM, XI G, HWANG JH, DUNN RS, MILLS AS, HOLLAND SK, WAGNER KR,
MYERS RE. Hypoglycemic brain injury: potentiation from respiratory depression
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DOLINAK D, SMITH C, GRAHAM DI. Hypoglycaemia is a cause of axonal injury.
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NEHLIG A. Cerebral energy metabolism, glucose transport and blood flow:
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UTTER AC, KANG J, NIEMAN DC, WILLIAMS F, ROBERTSON RJ, HENSON DA, DAVIS JM,
BUTTERWORTH DE. Effect of carbohydrate ingestion and hormonal responses on
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