Exemplo: Cola de sapateiro
Definição
A palavra solvente significa substância capaz de
dissolver coisas e inalante é toda substância que pode ser inalada, isto é,
introduzida no organismo através da aspiração pelo nariz ou boca. Via de regra, todo o
solvente é uma substância altamente volátil, isto é, se evapora muito facilmente sendo
daí que pode ser facilmente inalada. Outra característica dos solventes ou inalantes é
que muitos deles (mas não todos) são inflamáveis, isto é, pegam fogo facilmente.
Um número enorme de produtos comerciais, como esmaltes,
colas, tintas, thinners, propelentes, gasolina, removedores, vernizes, etc, contém estes
solventes. Eles podem ser aspirados tanto involuntariamente (por exemplo, trabalhadores de
indústrias de sapatos ou de oficinas de pintura, o dia inteiro expostos ao ar contaminado
por estas substâncias) ou voluntariamente (por exemplo, a criança de rua que cheira cola
de sapateiro; o menino que cheira em casa acetona ou esmalte, ou o estudante que cheira o
corretivo Carbex, etc).
Todos estes solventes ou inalantes são substâncias
pertencentes a um grupo químico chamado de hidrocarbonetos, tais como o tolueno, xilol,
n-hexana, acetato de etila, tricloroetileno, etc. Para
exemplificar, eis a composição de algumas colas de sapateiro vendidas no Brasil: Cascola
- mistura de tolueno + n-hexano; Patex Extra - mistura de tolueno +
acetato de etila + aguarrás mineral; Brascoplast - tolueno +
acetato de etila + "solvente para borracha". No ano de 1991 uma fábrica de cola
do interior do Estado de São Paulo fez ampla campanha publicitária afirmando que
finalmente havia fabricado uma cola de sapateiro "sem ser tóxica e que não produzia
vício", porque não continha Tolueno. Foi um comportamento muito errado desta
indústria, desonesto mesmo, dado que a tal cola ainda continha o solvente n-hexano que é
sabidamente bastante tóxico.
Um produto muito conhecido no Brasil é o
"cheirinho" ou "loló" ou ainda o "cheirinho da loló". Este
é um preparado clandestino (isto é, fabricado não por um estabelecimento legal, mas sim
por pessoal do submundo), à base de clorofórmio mais éter e utilizado só para fins de
abuso. Mas já se sabe que quando estes "fabricantes" não encontram uma
daquelas duas substâncias eles misturam qualquer outra coisa em substituição. Assim, em
relação ao cheirinho da loló não se sabe bem a sua composição, o que complica quando
se tem casos de intoxicação aguda por esta mistura.
Ainda, é importante chamar a atenção para o lança-perfume.
Este nome designa inicialmente aquele líquido que vem em tubos e que se usa em carnaval;
é a base de cloreto de etila ou cloretila e sendo proibido a sua
fabricação no Brasil ela só aparece nas ocasiões de carnaval, contrabandeada de outros
países sul-americanos. Mas cada vez mais o nome lança-perfume está também sendo
utilizado para designar o "cheirinho da loló"; por exemplo, os meninos de rua
de várias capitais brasileiras já usam estes dois nomes - cheirinho e lança -
para designar a mistura de clorofórmio e éter.
Efeitos no cérebro
O início dos efeitos, após a aspiração, é bastante
rápido - de segundos a minutos no máximo - e em 15-40 minutos já desaparecem;
assim o usuário repete as aspirações várias vezes para que as sensações durem mais
tempo.
Os efeitos dos solventes vão desde uma estimulação
inicial seguindo-se uma depressão, podendo também aparecer processos alucinatórios.
Vários autores dizem que os efeitos dos solventes (qualquer que seja ele) lembram aqueles
do álcool sendo, entretanto, que este último não produz alucinações, fato bem
descrito para os solventes. Dentre esses efeitos dos solventes o mais predominante é a
depressão.
Entretanto os principais efeitos dos solventes são
caracterizados por uma depressão do cérebro.
De acordo com o aparecimento dos efeitos após inalação
de solventes, eles foram divididos em quatro fases:
- Primeira fase: é a chamada fase de
excitação e é a desejada, pois a pessoa fica eufórica, aparentemente excitada,
ocorrendo tonturas e perturbações auditivas e visuais. Mas pode também aparecer
náuseas, espirros, tosse, muita salivação e as faces podem ficar avermelhadas.
- Segunda fase: a depressão do
cérebro começa a predominar, com a pessoa ficando em confusão, desorientada, voz meio
pastosa, visão embaçada, perda do autocontrole, dor de cabeça, palidez; a pessoa
começa a ver ou ouvir coisas.
- Terceira fase: a depressão se aprofunda
com redução acentuada do alerta, incoordenação ocular (a pessoa não consegue mais
fixar os olhos nos objetos), incoordenação motora com marcha vacilante, a fala
"engrolada", reflexos deprimidos; já pode ocorrer evidentes processos
alucinatórios.
- Quarta fase: depressão tardia, que
pode chegar à inconsciência, queda da pressão, sonhos estranhos, podendo ainda a pessoa
apresentar surtos de convulsões ("ataques"). Esta fase ocorre com freqüência
entre aqueles cheiradores que usam saco plástico e após um certo tempo já não
conseguem afastá-lo do nariz e assim a intoxicação torna-se muito perigosa, podendo
mesmo levar ao coma e morte.
Finalmente, sabe-se que a aspiração repetida, crônica,
dos solventes pode levar a destruição de neurônios (as células cerebrais) causando
lesões irreversíveis do cérebro. Além disso pessoas que usam solventes cronicamente
apresentam-se apáticas, têm dificuldade de concentração e déficit de memória.
Efeitos no resto do corpo
Os solventes praticamente não atuam em outros órgãos,
a não ser o cérebro. Entretanto, existe um fenômeno produzido pelos solventes que pode
ser muito perigoso. Eles tornam o coração humano mais sensível a uma substância
que o nosso corpo fabrica, a adrenalina, que faz o número de batimentos cardíacos
aumentar. Esta adrenalina é liberada toda vez que o corpo humano tem que exercer um
esforço extra, por exemplo, correr, praticar certos esportes, etc. Assim, se uma pessoa
inala um solvente e logo depois faz esforço físico, o seu coração pode sofrer, pois
ele está muito sensível à adrenalina liberada por causa do esforço. A literatura
médica já conhece vários casos de morte, por síncope cardíaca, principalmente de
adolescentes, devido a estes fatos.
Efeitos tóxicos
Os solventes quando inalados cronicamente podem levar a
lesões da medula óssea, dos rins, do fígado e dos nervos periféricos que controlam os
nossos músculos. Por exemplo, verificou-se em outros países que em fábricas de sapatos
ou oficinas de pintura os operários, com o tempo, acabavam por apresentar doenças renais
e hepáticas. Tanto que naqueles países há uma rigorosa legislação sobre as
condições de ventilação dessas fábricas; o Brasil também tem leis a respeito. Em
alguns casos, principalmente quando existe no solvente uma impureza, o benzeno, mesmo em
pequenas quantidades, pode haver diminuição de produção de glóbulos brancos e
vermelhos pelo organismo.
Um dos solventes bastante usado nas nossas colas é a
n-hexana. Esta substância é muito tóxica para os nervos periféricos, produzindo
degeneração progressiva dos mesmos, a ponto de causar transtornos no marchar (as pessoas
acabam andando com dificuldade, o chamado "andar de pato"), podendo até chegar
a paralisia. Há mesmo caso de usadores crônicos que após alguns anos só podiam se
locomover em cadeira de roda.
Aspectos gerais
A dependência naqueles que abusam cronicamente de
solventes é comum, sendo os componentes psíquicos da dependência os mais evidentes,
tais como: desejo de usar, perda de outros interesses que não seja o de usar solvente.
A síndrome de abstinência, embora de pouca intensidade,
está presente na interrupção abrupta do uso dessas drogas, aparecendo ansiedade,
agitação, tremores, câimbras nas pernas e insônia.
Em relação à tolerância mostra que ela pode ocorrer,
embora não tão dramática quanto outras drogas (como as anfetaminas, por exemplo, os
dependentes passam a tomar doses de 50-70 vezes maiores que as iniciais). Dependendo da
pessoa e do solvente, a tolerância se instala ao fim de 1 a 2 meses.
Os solventes são as drogas mais usadas entre os
meninos(as) de rua e entre os estudantes da rede pública de ensino, quando se exclui da
análise o álcool e o tabaco.
Fonte: Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas
Psicotrópicas - CEBRID |