Incontinência Urinária
INTRODUÇÃO
A Incontinência Urinária é uma condição multifatorial que afeta muitas pessoas, em
diferentes faixas etárias. Ao mesmo tempo em que era considerada pelos pacientes como uma
condição normal do processo de envelhecimento era negligenciada pelos profissionais da
área da saúde. Essa condição constrangedora de perda involuntária de urina tem
conseqüências avassaladoras na qualidade de vida das pessoas incontinentes, causando
muitas vezes marginalização do convívio social, frustrações psicossociais e
institucionalização precoce.
É de especial importância aos profissionais da área da saúde o conhecimento prévio de
todo o processo fisiológico normal de continência, para que possamos intervir
diretamente e de forma conservadora nos cuidados da pessoa incontinente, para tanto,
faremos uma breve revisão dos mecanismos fisiológicos normais.
REFLEXO DA MICÇÃO
À medida que a bexiga vai se enchendo de urina, os receptores sensoriais presentes no
interior da bexiga percebem o estiramento da parede vesical e ondas de contração vão
surgindo, esses sinais sensoriais são conduzidos para os segmentos sacrais da medula
espinhal pelos nervos pélvicos, voltando depois, por via reflexa, para a bexiga. À
medida que a bexiga continua se enchendo os reflexos de micção tornam-se mais
freqüentes mais intensos causando contrações também cada vez maiores do músculo
detrusor, num ciclo repetitivo e contínuo, até que a bexiga atinja um alto grau de
contração.
Uma vez que o reflexo da micção se torne suficientemente intenso, outro reflexo é
desencadeado determinado o relaxamento esfincteriano. Se esta inibição for mais potente
no cérebro que os sinais constritores voluntários para o esfíncter externo, ocorrerá a
micção; caso contrário , a micção não ocorrerá até que a bexiga se encha ainda
mais e a micção reflexa se torne mais intensa.
FISIOLOGIA DA MICÇÃO
O ato miccional apesar de aparentemente simples envolve a interação de estruturas
complexas como o SNC, SNP e estruturas do trato urinário. A interação entre essas
estruturas estabelece um equilíbrio coordenado e harmônico, determinando a Continência
Urinária.
A função vesical acontece em duas fases, ou seja, Fase de Armazenamento ou Enchimento e
Fase de Esvaziamento.
A Fase de Armazenamento ocorre quando a bexiga consegue acumular quantidades crescentes de
urina em seu interior sem variações significativas de pressão, enquanto os esfíncteres
urinários permanecem contraídos, o que estabelece uma pressão intra uretral maior que a
pressão vesical.
Essa capacidade de armazenar urinar sem que haja aumentos significativos na pressão é
chamado da Complacência Vesical ou Acomodação Vesical.
Nessa fase o músculo detrusor está em repouso, o que permite que isso aconteça. Essa
fase é produzida pela estimulação simpática dos receptores beta adrenérgicos dentro
da parede vesical, causando relaxamento do detrusor. Ao mesmo tempo a atividade nervosa
simpática inibe a atividade parassimpática, promovendo mais ainda, um estado de
relaxamento. O relaxamento do detrusor durante a fase de enchimento é o componente-chave
para a fase de acomodação vesical. A estimulação simpática de receptores alfa
adrenérgicos presente no colo vesical e uretra proximal causa a constrição, com
conseqüente aumento da pressão uretral.
O esfíncter externo e os músculos elevadores do ânus servem como suporte para os
mecanismos de continência, embora em permanente estado de contração podem contrair-se
ainda mais para impedir a perda de urina sob condições de stress, são inervados pelo
plexos sacrais e nervos pudendos.
Uma vez que a bexiga atinja sua capacidade máxima (350 - 650 ml), os receptores do
interior do músculo detrusor emitem sinais aos centros corticais do cérebro para se
iniciar a fase de esvaziamento.
Para iniciar o processo da micção é necessário que o córtex reconheça a repleção
vesical (desejo miccional) e decida a melhor hora e momento para desencadear o
esvaziamento da bexiga.
A Fase de Esvaziamento acontece com a estimulação da contração do detrusor associada
ao relaxamento esfincteriano e dos músculos elevadores do ânus, permitindo que a bexiga
elimine seu conteúdo através de uma inversão desse gradiente de pressão, enquanto o
córtex inibe o relaxamento simpático da bexiga. A uretra se encurta o que diminui a
resistência do fluxo. A bexiga libera seu conteúdo sob controle voluntário dependendo
diretamente de uma atividade coordenada da uretra e do músculo detrusor.
A ativação dos receptores colinérgicos parassimpático no músculo detrusor estimula a
sua contração e a micção começa.
O reflexo da micção é um reflexo completamente autonômico da medula espinhal, mas pode
ser inibido ou facilitado por centros do cérebro.
Músculo Esfincter
Forte
Músculo Esfincter Fraco
CLASSIFICAÇÃO DA
INCONTINÊNCIA URINÁRIA
Dentre as Incontinências Urinárias definiremos:
Incontinência Urinária de Urgência e Urge-Incontinência
É a presença de contração vesical durante a fase de enchimento
desencadeada espontaneamente ou em resposta a estímulos e demonstrada de forma objetiva,
quando a paciente tenta inibir a contração. É chamada de Instabilidade em pacientes sem
diagnóstico neurológico e de hiperreflexia em pacientes com comprometimento
neurológico. Resultando em micções freqüentes e relativamente descontroladas. Esta
condição deriva de uma lesão parcial da medula espinhal ou do tronco cerebral que
interrompe a maioria dos sinais inibitórios, ou por hipersensibilidade a acetilcolina,
aumento das fibras sensitivas na submucosa, ativação dos reflexos medulares,
principalmente em pacientes neuropatas e por deficiência ou diminuição do controle
inibitório do SNC. Portanto, impulsos facilitatórios passando continuamente ao longo da
medula mantém os centros sacrais tão excitáveis que mesmo uma pequena quantidade de
urina provoca um reflexo da micção incontrolável, assim promove a micção freqüente,
quando a paciente sente forte desejo de urinar e perde urina no trajeto até o banheiro
classifica-se como Urge-Incontinência.
A paciente tem sensação de plenitude vesical por diminuição da complacência.
A Incontinência de Urgência pode ser sensitiva ou motora e a diferenciação é feita no
exame urodinâmico.
Incontinência Urinária de
Esforço
É a perda involuntária de urina que surge com aumentos da pressão
intra-abdominal, causando problema social ou higiênico para a mulher, na ausência de
atividade contrátil do detrusor. Em condições normais o esfíncter da uretra é capaz
de impedir a saída de urina por ocasião de aumento acentuado e abrupto da pressão intra
abdominal como em episódios de tosse, espirro ou riso forçado. Na incontinência
urinária de esforço ocorre uma perda involuntária de urina quando a pressão vesical
excede a pressão uretral máxima, sem que o músculo detrusor tenha se contraído. Pode
ser um sintoma (quando a paciente nos relata) pode ser um sinal (quando percebido ao exame
físico) ou uma condição (quando vem associado a um diagnóstico urodinâmico
específico).
O fator determinante da IUE é a alteração do gradiente de pressão entre a bexiga e a
uretra. Essa mudança ocorre por falha no mecanismo esfincteriano extrínseco ou
intrínseco da uretra. Assim, a IUE pode ser decorrente de hipermobilidade do colo vesical
e/ou insuficiência esfincteriana.
Incontinência Urinária Mista
Quando se somam os sintomas da IUE e da Incontinência de Urgência, é
necessário analisar a predominância dos sintomas.
FATORES PREDISPONENTES
Parto Vaginal:
Por trauma neuromuscular ao assoalho pélvico e/ou descolamento da fáscia
pubocervical, por estiramento ou compressão mecânica dos nervos pélvicos. Lesões
causadas mais freqüentemente durante a segunda fase do trabalho de parto.
Deficiência Estrogênica:
O trato urinário inferior é rico em receptores de estrogênio, que faz
quando são estimulados, um aumento do fluxo sangüíneo do plexo artério-venoso e o
fluxo sangüíneo aumentado melhora a coaptação da mucosa uretral e aumenta sua
pressão, promovendo a continência. A deficiência de estrogênio pode ser um fator que
contribui para a incontinência urinária em mulheres na menopausa.
Tabagismo:
O tabagismo pode agravar a incontinência por vários fatores:
- danos às sustentações uretrais e vaginais pela tosse crônica
- alterações na síntese e na qualidade de colágeno
- contrações do detrusor induzidas pela nicotina do cigarro.
- Efeitos anti-estrogênicos que diminuem a atividade dos receptores
adrenérgicos no esfíncter uretral interno.
Obesidade
A obesidade piora a condição de incontinência por aumentar a pressão
intra-abdominal.
DIAGNÓSTICO
Estudo Urodinâmico
É um termo genérico que compreende o estudo funcional da bexiga e/ou
uretra. Fazem parte desse exame a fluxometria, cistometria, estudo fluxo/pressão, a
eletromiografia, perfil pressórico uretral e a pressão de perda.
Tem particular importância na determinação da causa da incontinência urinária, na
terapêutica , apesar de ser um exame invasivo e agressivo, utilizar como instrumento para
sua execução sondas intra uretral e a paciente se expor durante o exame urinando na
presença de pessoas estranhas, constitui-se na abordagem diagnóstica mis segura da
Incontinência Urinária.
ORIENTAÇÕES PARA
COMPLEMENTAÇÃO DIAGNÓSTICA
Diário Urinário
Consiste na anotação pela paciente de suas micções , sintomas e
situações de perda urinária, pode ajudar-nos muito na avaliação da intensidade e da
freqüência objetiva desses sintomas.
Teste de Esforço ou Teste da Almofada ou Pad-Test
Permite uma medida quantitativa da perda urinária. É um teste que necessita de balança
de alta precisão e de alto custo, mas é útil na classificação da incontinência
urinária.
Teste do Cotonete ou Q.tip Test
Faz-se a assepsia do local com polvidine, introduz-se cotonete estéril embebido em
xylocaína até que a resistência seja vencida, marcando-se aí como ponto zero (0),
solicita-se uma contração voluntária ou manobra de Valsalva e com o goniômetro mede-se
angulação do cotonete.
AVALIAÇÃO FISIOTERÁPICA
IDENTIFICAÇÃO
HMA
ANAMNESE
Deve-se pesquisar:
- Queixa e duração dos sintomas
- Tipo de sintomas
- Tempo de aparecimento dos sintomas
- Situações em que ocorre a perda (IUE/Urgência)
- Idade da Continência (controle da micção)
- Fator desencadeante
- Fatores que melhoram e que pioram os sintomas
- Status hormonal
- Se há relacionamento do sintoma com algum evento como parto normal ou
alguma cirurgia ginecológica.
- Hábitos intestinais: número de evacuações por semana/ período de
tempo para evacuar.
- Hábitos de vida; (cigarro, álcool, alimentação, obesidade)
- Medicações
EXAME FÍSICO
Inclui:
Inspeção
Abdominal
· Estado da Pele
· Cicatrizes/Aderências
· Estrias
· Zonas Dolorosas
· Hérnias
Assoalho Pélvico
· Mucosa hiperêmica
· Presença de irritação local
· Presença de Corrimentos
· Presença de Mamilos Hemorroidários
· Presença de Escorições
· Presença de Micoses
· Presença de cicatrizes
· Presença de Epsiotomias
· Presença de Varicosidades
· Abertura Vulvar
· Distância Ano-Vulvar
Palpação
· tônus da musculatura perineal
através da palpação das paredes vaginais
· capacidade de realizar contração voluntária (introduzindo-se os
dedos indicador e dedo médio devidamente calçados de luva, dentro do canal vaginal,
solicita-se à paciente para " prender" os dedos na vagina)
· tônus da musculatura glútea , abdominal e adutora
· alterações de sensibilidade
· em pacientes idosos ou debilitados solicita-se a deambulação e as
possíveis alterações posturais como desequilíbrios, instabilidades e incoordenações
motoras.
TESTES ESPECIAIS
· Força Muscular (Abdominal e Assoalho
Pélvico)
· Diástase dos Retos Abdominais
· Núcleo Fibroso Central do Períneo
· Reflexos Sacrais (bulbocavernoso e cutâneo anal)
TRATAMENTO FISIOTERÁPICO
Durante muitos anos a cirurgia foi a melhor opção de tratamento da Incontinência
Urinária, mas com o passar do tempo as recidivas eram freqüentes, submetendo as
pacientes às mesmas condições iniciais de perda urinária, muitas vezes com piora do
prognóstico.
As técnicas de tratamento conservador ficaram esquecidas durante muitos anos, e somente
nos anos 80 readquiram importância , apesar de terem surgido em 1948 com Arnold Kegel.
É muito importante que haja uma abordagem multiprofissional dessas pacientes e uma
perfeita interação entre os membros da mesma equipe para que a paciente seja beneficiada
e o diagnóstico seja seguro. Com os avanços das pesquisas em fisiologia do trato
urinário inferior e com o aprimoramento das técnicas de diagnóstico, o tratamento
conservador foi assumindo um importante papel na reabilitação dessas pacientes através
das Técnicas de Reeducação Perineal.
Os resultados positivos dessas técnicas dependem da boa avaliação do paciente e da
escolha da técnica e parâmetros de tratamentos para cada tipo específico de
Incontinência que será tratada.
TRATAMENTO CONSERVADOR
Terapia Comportamental
Visa ensinar a paciente um comportamento que foi perdido.
Consiste na micção em tempos determinados ou treinados da bexiga.
O objetivo é separar-se a percepção da necessidade de urinar do ato de urinar,
permitindo à mulher restabelecer o controle cortical sobre a bexiga.
REEDUCAÇÃO PÉLVICO -
PERINEAL
A musculatura pélvico-perineal tem uma grande importância sobretudo na mulher, ela
desempenha um papel de fixação e de sustentação dos órgãos pélvicos.
Existem várias técnicas de tratamento conservador que podem ser utilizadas e que na
literatura tem se mostrado eficaz na abordagem da paciente incontinente.
A reeducação pélvico - perineal pode ser usada tanto de forma preventiva para toda a
musculatura, quanto de forma curativa para músculos enfraquecidos.
MODALIDADES DE TRATAMENTO
CONSERVADOR
Contração Voluntárias ou Exercícios de Kegel
Kegel foi o primeiro a descrever de modo sistemático um método de
avaliação e um programa de exercícios com o objetivo de reeducar o assoalho pélvico e
aumentar o tônus da musculatura perineal.
A contração do assoalho pélvico exige uma capacidade de ativar os músculos
corretamente.
O assoalho pélvico funciona em conjunto não sendo possível fechar as três aberturas
individualmente, porém é necessário focalizar cada uma delas independente.
Os exercícios de devem ser feitos com contrações fortes, longas e repetidas, uma depois
da outra com uma breve pausa entre elas, cada uma mantida pelo maior tempo possível.
O fisioterapeuta deve verificar a ausência de contração nos músculos abdominais,
adutores do quadril e glúteos.
Como acontece com toda reeducação, a paciente precisa de estímulo regular para aumentar
a extensão, intensidade e número de contrações repetidas . Deve ser usado um certo
número de posições, trabalhando aquelas que são mais difíceis. Para obter o melhor
resultado possível de um programa de exercícios pélvicos, ele precisa ser realizado
dentro de um período de três a seis meses.
Perineômetro
Em 1948, Kegel descreveu um dispositivo pneumático que ele usava para
medir a pressão dentro da vagina, e para motivar as mulheres a praticarem exercícios
para o assoalho pélvico. Constituía-se numa peça de borracha cheia de ar compressível
(sensor) que era inserida na vagina da mulher ligada a um manômetro. A mulher então
contraía o seu assoalho pélvico várias vezes e anotava a maior leitura no mostrador, e
o período de tempo durante o qual ela podia manter uma contração.
Cones Vaginais
Na reabilitação muscular, a resistência na forma de pesos tem sido há
muito tempo usado para aumentar a força e a resistência. As tentativas para achar um
meio de aplicar a resistência manual à musculatura perineal levou a criação e
comercialização dos cones vaginais. Eles consistem de uma série de cinco a noves
cilindros pequenos, de pesos variáveis, indo de 10 a 100 g. Eles são feitos de chumbo
coberto com plástico e são do tamanho aproximado de um tampão, com um cordão de nylon
ligado as pontas mais afiladas. O cone age forçando para baixo os músculos do assoalho
pélvico, e esse sentimento de soltar o cone faz o músculo se contrair em torno dele,
para retê-lo.
Eletroestimulaçao do Assoalho Pélvico
A eletroestimulaçao vem adquirindo grande importância entre as modalidades de
tratamento conservador da I.U.E, visa essencialmente promover o fortalecimento da
musculatura do assoalho pélvico através de contrações eletricamente induzidas, sem que
necessariamente haja a participação ativa da paciente.
Autora: Cláudia Elaine Cestári Souza
Fisioterapeuta
Redação do Saúde em Movimento
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